quinta-feira, 14 de maio de 2009

A Mosca

... Mosca. Que sei eu de moscas?
A única coisa que lembro de mosca, foi o Ricardo que me contou sobre uma mosca verde, bem grandona, varejeira, voava-lhe a cabeça, ameaçadoramente; na certa deve ter sentido um certo cheiro - Ricardo não é muito chegado aos sabonetes, muito menos aos shampoos -, e buscava esse lugar para por suas larvinhas! Ricardo precaveu-se; tirou um sapato, bastante gasto nos bicos, pelas constantes lixadas nas calçadas, “pilotando” um skate velho; estava armado... com o sapato. A bichinha continuava em seus vôos de reconhecimento. Finalmente pousou grudada na janela, ao lado da cara do Ricardo, como a espreitar a presa; falsa presa. Talvez a mosquinha tivesse com preocupações mais voltadas a perpetuação da espécie, ou mesmo no fedor do chulé de meias de duas semanas. Paft! Que exagero. Totalmente esmagada! Sem nenhuma chance de defesa; não teve tempo. Elemento surpresa; letal... Mas a vida continua... minúsculas larvas, rastejavam pela vidraça da janela; foi sua última cartada; alguns sobreviventes! Asco! Nojo! Difícil acreditar no fim trágico daquelas prematuras larvas; pior seria observar – por curiosidade instintiva – o finalizar dos movimentos das larvinhas. Triste fim. Ricardo ficou pensando por que teria feito aquilo, aquela maldade. Agora já achava realmente uma tremenda maldade. Que direito de vida neste mundo teríamos nós, em relação à dita mosca?
Nenhuma. Egoísmo demais achar que perante a natureza, algo que vive tenha mais direitos que outros. A luta pela sobrevivência leva ao jugo das espécies.
O mundo é dos mais fortes, então?... Desde sempre.
A viagem continuou, Rio-Sampa, num ônibus luxo, primeira classe; a mosca estivera lá. Seria Paulista ou Carioca? A gosma viscosa na janela começou a secar e a cessar os movimentos das pobres larvinhas; não haveria sobreviventes. O nojo deixou Ricardo incomodado e o balançar do ônibus já começava a ajudar a aumentar a ânsia..., e, o primeiro aviso chegou bem de mansinho, as glândulas salivares entrando em ação e uma golfada azeda chegou-lhe à garganta muito discretamente. Aviso sério. Olhou para trás verificando se o banheiro estava ocupado e pensou logo em dirigir-se ao mesmo; deu uma olhada nos últimos movimentos das larvinhas. A golfada encheu-lhe a boca e correu ao banheiro, no corredor veio outra e a boca já não tinha tanto espaço. O ônibus balançou, a mão de apoio no encosto do ônibus escorregou, caiu em cima de uma senhora e sentou-se no chão e, lá mesmo, com mais um balanço, tornou-se uma grande larva em cima de seu líquido fétido e também viscoso.
A natureza cobrou sua dívida; barato, mas cobrou.